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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Meio século de feijão

Quando criança, sempre que havia reunião de pais na escola ficávamos de orelha colada à porta da sala de aula, providenciando tempo hábil para contornar qualquer situação de risco causada pela justa reação de nossos pais a injustos comentários da professora a respeito de nosso desempenho ou comportamento em sala de aula.
Lembro que uma vez, sendo eu o espião de plantão, ouvi-a comentar com os pais de dois colegas, irmãos, que havia tempos notava deficiências na aprendizagem e comportamento deles, sinais para ela claros de desnutrição. "Mas como!? Lá em casa não falta feijão!" "Só feijão, meu senhor, não adianta muito".
Assim é a Ilha. Após meio século do domínio de El Comandante, não lhe falta feijão. Todos os seus indicadores em saúde são dos melhores do mundo. Já há muito está entre os melhores olímpicos. O emprego, até pouco tempo, era pleno. Não está muito longe disso hoje, ainda que tenha se saído da plenitude. O abastecimento de bens de consumo essenciais, como alimentos e remédios, não chega a ser abundante, mas também não é calamitoso. Isto numa sociedade que sofre o embargo da maior potência econômica, e de seus fiéis seguidores, há bons 35 ou 40 anos, nem sei mais. Mas que, por outro lado, foi e é amparada pelas injeções de capital e combustíveis, primeiro da velha União Soviética, e recentemente, de nosso vizinho caudilho. O hiato entre estes dois períodos foi massacrante a sua já não exuberante economia, mas vê-se que o fôlego de Chavez surte alguns efeitos na terra do rum.
Mas é na educação onde está o maior problema. Cuba alardeia, e com justa razão, que seus índices de analfabetismo são dos menores do mundo. Mas trata-se, stricto sensu, não de educação e sim adestramento. Alguém sem senso crítico, não é educado. E não se pode ter senso crítico sem o livre acesso ao contraditório.
Cuba até agora deu feijão a seu povo. Espero que com a saída de El Comandante, possa se abrir espaço aos outros deliciosos e tão necessários pratos.

Em tempo, queria citar Fernando Morais, em sua fantástica reportagem "A Ilha", de 1976. Ao perguntar a um garçom em Havana por que só os mortos têm os nomes em monumentos e lugares públicos, ouve a seguinte resposta: "Quem está vivo é passível de erro. Seria muito ruim ter de tirar o nome de alguém da rua."

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